Neste post quem está falando é o Vicente Siufi, ex-colega e amigo de pedaladas do blog, que já está com sua viagem em bicicleta com data de partida definida. Vamos acompanhar o seu preparo para viver em cima da bicicleta por tempo e destino indeterminado. Hoje Vicente vai relatar uma viagem teste de final de semana.

Eu, minha companheira e nossa cadela sairemos para viajar em bicicletas na segunda metade desse ano. Nosso intuito é não ter pressa, não ter um destino fixo, evitar ao máximo as cidades grandes e viver bem. Infelizmente minha companheira não pôde se fazer presente nesse feriado, então eu e o Ogro combinamos de ir para o meio do mato, experimentar equipamentos e adquirir experiência. Para mim, esse final de semana foi o segundo teste com a bicicleta carregada com as 5 bolsas; o primeiro fora do asfalto.
Planejamos a rota e fomos treinar o “modo sem pressa”, sem destino fixo e vivendo bem, sem (muito) desconforto, sem fome, sem sede, então abusamos da capacidade de carga e fomos bem munidos. Eu levei duas caramanholas térmicas de 750ml, mais uma super térmica de 473ml, mais um reservatório de 4L; o Ogro levou uma caramanhola de 700ml e uma garrafa de 1.5L, ou seja, tínhamos 8.173 litros de água. Levamos também arroz, massa, polenta, purê de batatas instantâneo, cuz cuz, tomate desidratado, cenoura, alho, cebola, temperos…
Pedalamos mais uns 10km alternando entre estradas de chão e asfaltos, mas tudo bem silencioso e avistando poucos seres humanos – estávamos desfrutando do bucolismo que a vida na capital nos priva. Sem ter a rota traçada no Strava, jamais teríamos conseguido percorrer esses caminhos (obrigado, Luís Eduardo Franke). Depois de dobrarmos à esquerda em um mini beco, adentramos uma fazenda de arroz… murchamos os pneus e nos divertimos muito cruzando cada centímetro dos variados terrenos que percorremos ali. À essa altura, o céu já estava mais limpo e o sol já se fazia presente.
Para sair dessa fazenda, lidamos com a primeira dificuldade em seguir a rota à risca e tivemos de tomar uma decisão sobre qual caminho seguir: acabamos saindo muito perto da segunda ponte férrea, o problema foi que saímos abaixo dela e, para subir, tivemos de tirar todos os alforjes das bicicletas e subir tudo em várias pequenas viagens: cansou, mas obtivemos sucesso. Antes de atravessarmos, mais uma parada para comer: aproveitei que os alforjes estavam à mão e saquei umas castanhas para comer algo salgado, afinal já era quase meio dia e a fome já não era mais saciada pelas mariolas ou barrinhas de cereal.

Saímos em busca de um local para dormir, o relógio marcava 17h23min e a chuva voltou a aparecer, dessa vez por um período maior: saímos da fazenda com casacos impermeáveis e sem um rumo certo. Fomos parando em quaisquer edificações que encontrávamos em busca de informações ou de um convite para pernoitar. Tudo o que nos falavam era para ir até o posto Ipiranga (sempre ele). Acabamos recebendo uma última direção (presente de grego) e entramos no Polo Petroquímico em um sentido que aumentou a kilometragem percorrida debaixo de chuva (com pneus murchos) e demoramos uns minutos a mais para chegar no posto, mas foi bom para testar os casacos (que deixaram a desejar) e foi engraçado dar um balão sem o menor sentido. Felizmente o movimento de carros era ínfimo. Na saída do Polo Petroquímico, com o tempo fechado, a vista das indústrias não era nada bonita.
Não ter conseguido dormir na fazenda e ir dormir no posto de gasolina me deixou um pouco decepcionado, porque achei que dormir no posto poderia ser ruim por diversos motivos. Chegando lá, a equipe de frentistas foi muito acolhedora e nos encaminhou para o Seu Marino, soldador de lonas de caminhões, que reside atrás do posto. Ele nos ofereceu inicialmente um local para colocar a barraca que era coberto, mas havia goteiras e os pômbos gostavam de utilizar como banheiro. Depois ele nos ofertou o interior de um velho ônibus que estava aposentado. Inicialmente a ideia parecia boa, ainda mais depois que ele conseguiu ligar a luz ali dentro, mas assim que estávamos descarregando os alforjes, descobrimos a presença de marimbondos e, portanto, tivemos de sair dali e dormimos em um terceiro local, super tranquilo e coberto. Essa montanha russa de sensações desde a saída da fazenda até montar o acampamento parece que só aumentou o sono. Jantamos cuz cuz de aperitivo e de prato principal: arroz agulinha integral com tomate seco, cebola roxa e beterraba ralada. Dei-nos o direito de saborear algo líquido que não fosse água: Frukito, o suco de frutas cítricas com mais açúcar em todo o universo. Fomos dormir quase às 22h e apagamos com facilidade.
Em Nova Santa Rita, encontramos nada mais do que uma praça com estrutura com bancos e mesas de polietileno (plástico “verde”) e ali paramos exatamente ao meio dia. O sol raiava e a pressa inexistia: almoçamos massa miojo com molho de tomate, refogado com cebola roxa, cenoura e alho macho. Nessa refeição tivemos sobremesa: um KitKat Dark para os dois. Seguindo de volta à Porto Alegre, mais uma vez optamos pela estrada de chão ao invés do asfalto: mais bucolismo, poucos seres humanos, silêncio… só coisa boa. Saímos da estrada para explorar um terreno que parecia uma pedreira, mas o solo era uma terra fofa que atolava levemente os pneus: prazeroso de pedalar somente nas marchas mais leves mesmo que no plano. Caímos de volta na BR-386 e na Rodovia do Parque, ali fizemos mais uns 15km de asfalto e o rendimento estava excelente, não sei se havia um leve vento a nosso favor ou se a digestão do almoço havia chegado nas pernas. Na última subida da Rodovia antes da descida para Porto Alegre, Ogro teve um furo no Schwalbe Marathon traseiro. Furo mesmo, daqueles de deixar o pneu com quase 0 psi. Paramos sob a única sombra e vimos o prego que havia perfurado não só a câmara de ar, mas o pneu também. Solucionado o problema, retornamos para casa com a sensação de que os últimos dois dias foram uma semana.